terça-feira, 1 de junho de 2010

Usar os neurônios ainda é o melhor investimento

Vale a pena a leitura.
Fonte: Jornal Folha de São Paulo, de 1°/06/2010 - SUZANA HERCULANO-HOUZEL - suzanahh@uol.com.br
As últimas décadas mostram que o cérebro melhora com o uso: quanto mais desafiado ele é, melhor ele fica
PRIMEIRO FORAM os videogames, que exercitam a habilidade de atenção seletiva, memória de trabalho, coordenação motora, raciocínio e estratégia.
Depois veio a internet, que tornou ainda mais fácil o acesso a jogos de menor complexidade. Treinar a memória, a atenção, o raciocínio está ao alcance de todos através da rede. Mas isso serve para alguma coisa?
"Não", diz um estudo financiado por um programa da BBC e publicado na "Nature". Telespectadores se ofereceram para jogar dez minutos ao dia, três vezes por semana, por seis semanas.
Depois disso... não tiveram nenhuma melhora significativa em suas habilidades cognitivas, embora tivessem melhor desempenho nos jogos treinados. Conclusão do estudo, alardeada pela imprensa: "Jogar na internet não adianta nada".
Uma pena a imprensa não ter dado o mesmo valor a todas as outras pesquisas que mostram que, sim, exercitar a memória de trabalho e a atenção seletiva traz benefícios palpáveis não só a elas mesmas como também à capacidade de raciocinar e resolver problemas.
Faz sentido: se a memória de trabalho determina quantas informações conseguimos manter ativas, disponíveis para serem cruzadas e associadas mentalmente, então melhorar essa memória deve ajudar no raciocínio.
Funciona até em camundongos: o treino com exercícios que exigem atenção seletiva torna os animais mais capazes de aprender tarefas novas em seguida.
Concordo que é importante difundir o resultado negativo do estudo da BBC. Seria errado levar alguém a crer que jogar dez minutos na internet ou em "programas de treinamento do cérebro" vai torná-lo "mais inteligente".
Mas usar um único estudo -e baseado em apenas quatro horas totais de treino!- para desqualificar a importância de exercícios mentais, quando há todo um corpo de pesquisas que atestam o valor da prática e do estímulo a uma atividade mental rica e intensa, é lamentável.
Ávida por dar a notícia de que as pessoas estariam gastando tempo e dinheiro à toa, a mídia reforçou a mensagem de que o empenho é inútil. Nada mais equivocado.
As últimas décadas da neurociência mostram justamente que o cérebro melhora com o uso: quanto mais desafiado, melhor fica -e nunca é tarde para começar.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com

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