sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Impasse entre MEC e CNE sobre idade de alfabetização

Fonte: G1

A conclusão do processo de elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino fundamental já tem um impasse sobre qual a idade em que toda criança deve estar plenamente alfabetizada. A versão enviada pelo Ministério da Educação (MEC) para análise do Conselho Nacional de Educação (CNE) determina que a alfabetização ocorra até o fim do 2º ano do ensino fundamental. Conselheiros e especialistas defendem que isso ocorra até o terceiro ano (veja abaixo, em tópicos, o que está em jogo).
De acordo com Maria Helena de Castro Guimarães, secretária-executiva do MEC, o governo mantém a mesma posição que está na terceira versão da BNCC encaminhada ao CNE no dia 6 de abril.

"Defendemos a alfabetização até o final do 2º ano, quando a criança tem 8 anos. A posição do CNE é diferente, mas por enquanto não há nenhuma decisão tomada.”
 
Apesar da posição contrária, a secretária lembra que a proposta do conselho ainda vai ser apresentada. "Não tem decisão tomada a esse respeito. [O parecer do CNE] Precisa ser votado no plenário e passar pelo ministro.”
Em abril, em programa ao vivo do G1, Maria Helena já tinha dito que não fazia "sentido" esperar até os 9 anos para alfabetização plena. Agora, ela volta a argumentar que alfabetizar até o 3º ano é "condenar as crianças a terem um atraso e manter as desigualdades". Como exemplo positivo, ela cita o município de Sobral (CE), onde as crianças já são alfabetizadas até o final do 2º ano.

“Não tem uma briga. É um processo, o diálogo está em andamento com pontos de vista, alguns consensuais. Estamos abertos a diálogos com o conselho. Temos reuniões periódicas com o CNE.”
 
O conselheiro do CNE Cesar Callegari reafirma que ainda não houve deliberação, mas este é um ponto de discordância. “O CNE não deliberou a respeito disso. É um tema que está sendo levantado nas audiências públicas, mas ainda vamos produzir pareceres que vão a voto. O CNE é contrário [à alfabetização no 2º ano], mas não houve deliberação. O assunto está em discussão.”
 
Se persistirem as visões distintas entre conselho e MEC, a aprovação da BNCC pode sofrer novo atraso. Isso porque o ministro Mendonça Filho pode se recusar a dar seu aval para o parecer do CNE caso não esteja de acordo com todos os pontos.
 
“Se não for homologada ela não se transforma em norma. Aí volta para o CNE para ser examinada. A decisão final é dos dois. Pode haver um parecer aprovado, mas se não é homologado, não tem norma. Ou há um entendimento ou não existe a norma. É preciso esforço para buscar consenso.”
 
Apesar do impasse, Callegari diz que há caminhos para construir o entendimento. Um deles seria o estabelecimento de metas intermediárias. "Quando você fala de um ciclo de alfabetização de três anos, há uma progressão esperada durante esses período que deve ser apontada na base. Para não chegar aos três anos e ver que não está alfabetizada. A progressão deve ser apontada na base como forma de orientar professores, com metas intermediárias.”


“A reprovação de uma criança no 2º ano é um desastre pra o processo educacional. Se houver boa vontade das partes, chegamos ao ponto que todos estão pensando: o direito da criança ser alfabetizada.”

Para o conselheiro, a aposta na antecipação da meta é uma "estratégia de marketing" do ministério para transmitir a imagem de ser uma gestão mais exigente. "A progressão é processo mais exigente e respeitoso. Dá para evitar a queda de braço, se houver boa vontade.”

Aspectos em jogo na antecipação da alfabetização

Veja abaixo resumo de argumentos apresentados por especialistas ouvidos pelo G1:
 
  • A tendência de antecipar a alfabetização começou nas escolas particulares depois de 2010, quando o ensino fundamental passou de oito para nove anos de duração, e o antigo "pré" se tornou o 1º ano do fundamental;
  • Desde 2013, as escolas públicas brasileiras seguem o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), uma iniciativa para estimular que as crianças estejam plenamente alfabetizadas aos 8 anos, no 3º do fundamental;
  • Mesmo assim, não é isso o que acontece na realidade: dados da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA) de 2014 mostram que um quinto dos alunos da rede pública chegou ao 4º ano do fundamental sem aprender a ler adequadamente;
  • Além disso, estudos indicam que o processo de alfabetização é longo e, para ser concluído aos sete anos, precisa começar com as crianças mais novas, que ainda não estão preparadas para isso;
  • Está em jogo, segundo especialistas, o embate entre usar os anos do ensino infantil para atividades lúdicas que estimulam os pequenos a reconhecerem sua identidade e se interessarem em aprender sobre o mundo, ou para estimular o aprendizado conteudista, visto por muitos adultos como sinônimo de sucesso profissional.
     
Relembre oito pontos de destaque da nova base 
Veja os destaques da BNCC do ensino infantil e fundamental 
  1. Ensino religioso foi excluído da terceira versão; MEC alega respeitar lei que determina que tema seja optativo e que é competência dos sistemas de ensino estadual e municipal definir regulamentação.
  2. Conteúdo de história passa a ser organizado segundo a cronologia dos fatos
  3. Língua inglesa será o idioma a ser ensinado obrigatoriamente; versão anterior da BNCC deixava escolha da língua a cargo das redes de ensino.
  4. Conceito de gênero não é trabalhado no conteúdo; MEC diz que texto defende "respeito à pluralidade"
  5. Texto aponta 10 competências que os alunos devem desenvolver ao longo desta fase da educação (veja lista abaixo). Uma delas é "utilizar tecnologias digitais de comunicação e informação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética".
  6. Toda criança deve estar plenamente alfabetizada até o fim do segundo ano; na versão anterior, o prazo era até o terceiro ano.
  7. Educação infantil ganha parâmetros de quais são os "direitos de aprendizagem e desenvolvimento" para bebês e crianças com menos de seis anos.
  8. Conteúdo do ensino médio não é alvo do documento; ele será abordado em texto específico aguardado para o segundo semestre.
     
O processo 
O Brasil não tinha uma base comum, mas documentos como as Diretrizes e Parâmetros Curriculares e normas federais já garantiam a padronização na elaboração dos currículos. Agora, a BNCC será a referência nacional obrigatória para que as escolas desenvolvam seus projetos pedagógicos.
A proposta preliminar foi feita por uma comissão de 116 especialistas de 37 universidades de todas as partes do Brasil e gerou polêmica por causa das lacunas deixadas em áreas como história e literatura. O documento inicial tinha pouco mais de 300 páginas. Após contribuições online, a segunda versão foi apresentada com 676 páginas e passou por audiências públicas. Agora concluído e apresentado ao CNE, o documento final da BNCC tem 396 páginas.