terça-feira, 18 de outubro de 2011

Alunos da USP vindos da rede pública enfrentam dificuldades

Se a universidade já tem esse diagnóstico, que tome as providências o mais rápido possível. O grande problema de nossa melhor universidade do país consiste em achar que os docentes vivem em um mundo que não pode ser permeado por alunos. Uma escola tradicional, onde o professor fica no pedestal e os alunos meros ouvintes das verdades absolutas proferidas pelos docentes.
Fonte: 18/10/2011 - 07h00 Victor Francisco Ferreira Da Agência USP de Notícias
Alunos ingressantes na USP (Universidade de São Paulo) oriundos de escolas públicas enfrentam diversas dificuldades na universidade. As principais delas são o gerenciamento do tempo, as avaliações aplicadas e os conteúdos das aulas, considerados por eles como muito mais complexos do que a base oferecida no cursinho ou na escola os preparou para encontrar na universidade. Outros fatores são dificuldades de relacionamento entre os alunos, que deriva da falta de espaços para socialização em algumas unidades, e o distanciamento da relação entre alunos e professores. O estudo da professora Valéria Cordeiro Fernandes Belletati, realizado na Faculdade de Educação (FE) da USP, avaliou os fatores considerados mais difíceis para o sucesso de alunos da escola pública que ingressam na Universidade de São Paulo. A partir de um levantamento quantitativo, a professora decidiu abordar alunos de três cursos, Licenciatura em Física, Ciências Biológicas e Letras. “Escolhi um curso de cada área de conhecimento (exatas, biológicas e humanas) considerando, em relação a alunos provindos da escola pública, índices de evasão no semestre de ingresso bem como o número absoluto de ingressantes”, explica a pesquisadora.
Foram feitos, em 2009, contatos com 40 alunos ingressantes para saber quais as principais dificuldades encontradas, como eles avaliavam o início das aulas, organizavam o currículo, se sabiam como obter bolsas e auxílios e se conseguiam aproveitar o ambiente universitário. A principal dificuldade apontada foi o mal gerenciamento do tempo. “Muitos trabalhavam e não conseguiam realizar todas as tarefas. Outros gastavam até três horas por dia em locomoção para chegar à USP e voltar para casa, além de simplesmente não conseguirem se organizar”, afirma Valéria.
Outro problema apontado foram as avaliações. Muitos têm dificuldade de se preparar bem para as provas, continuam com dúvidas sobre o conteúdo mesmo após a avaliação ou não entendem o que é pedido. “Eles saíam-se bem nas aulas e mal nas provas. Isso acontece porque na universidade os professores vêem a prova como classificação, e não como avaliação”, explica a pesquisadora. As provas não são utilizadas como diagnóstico das dificuldades dos alunos para que, a partir disso, o professor possa elaborar melhor a continuação das aulas, nem favorecem a adoção de um enfoque profundo de aprendizagem pelo aluno ingressante.
Professores distantes
Os alunos também se queixaram dos conteúdos ensinados em sala de aula. Em comparação com a base aprendida na escola ou no cursinho eles são muito mais complexos. “Pode-se afirmar que o ensino médio, nesse caso, é insuficiente para a continuação dos estudos na faculdade. Isso não significa que eles desejem reduzir a complexidade dos conteúdos. Para além de uma crítica com relação ao ensino básico, temos que repensar como a didática na universidade pode contribuir para a minimização do problema”, diz Valéria. Um aspecto que não ajuda a diminuir este problema é a relação distante entre alunos e professores. “Os professores não são acessíveis fora do horário de aula. Muitas vezes os graduandos recorrem a mestrandos e doutorandos a função de plantonista. Apesar de muitos alunos virem como positiva a intervenção dos monitores, a interação dos professores com os alunos é fundamental para que a aula seja direcionada conforme a necessidades destes alunos.”
Em 2010, a pesquisadora voltou a conversar com dez dos alunos para ver se no segundo ano de universidade as dificuldades persistiam. “A universidade não os ajuda a diferenciar ensino médio de ensino superior, cujas finalidades são de formação técnica, científica e política. Os alunos também não reavaliavam o percurso curricular nem reduzem a carga horária, sentindo a obrigação de seguir a previsão fornecida pela instituição. O que conta muito para os alunos vencerem as dificuldades são as características pessoais. Alunos mais ativos, extrovertidos, com experiência anterior em universidades e com mais iniciativa são os que têm mais facilidade”, explica a autora.
Perguntados sobre como tentavam superar os problemas, nenhum aluno apontou o professor como suporte. “Eles buscam ajuda de amigos, colegas de sala, na internet, na biblioteca ou com monitores”. Segundo Valéria, os professores precisam atentar ao perfil dos alunos e devem aproximar-se mais deles. “Os docentes não têm formação pedagógica, mas deveriam ter. Ele precisa discutir e refletir sobre a função da universidade e conhecer individualmente os alunos, suas dificuldades”.
Vencedores
Apesar de todos os problemas que surgem, segundo a pesquisadora, todos os alunos se consideram vencedores por estarem estudando na USP. “Nem sempre as dificuldades são superadas. No segundo ano de universidade alguns dos alunos entrevistados já apresentam notas baixas e reprovações. Mesmo assim, consideravam-se vencedores e não cogitavam abandonar o curso.”
As ações a serem aplicadas pela universidade para ajudar os alunos oriundos da rede pública de ensino devem focar os cursos e suas especificidades. “As diferenças entre os cursos vão além das áreas de conhecimento”, afirma Valéria. Um exemplo disso é o curso de Letras, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). “Os alunos se relacionam pouco. Existem muitas aulas em turmas diferentes. Isso atrapalha a integração entre os estudantes. Seria preciso propor atividades de relacionamento entre os alunos.”
A conclusão do trabalho traz indicações da necessidade de formação contínua dos professores deste nível de ensino: “Não existe uma cultura de trabalho coletivo entre os docentes do ensino superior que não têm formação pedagógica, mas deveriam ter. Eles precisam discutir e refletir sobre a função da universidade e conhecer individualmente os alunos, suas dificuldades”, afirma a pesquisadora.

Escola tem a cara do diretor

Parabéns aos bons diretores de escola pelo seu dia. A matéria abaixo acredito eu que representa o pensamento de todos aqueles que de fato são envolvidos com a prática educacional de sua escola e comunidade.
Fonte: Veja - edição 2239 - nº 42 - 19 de outubro de 2011. Claudio de Moura Castro
Percorreu as periferias de São Paulo uma inglesa, calejada inspetora de escolas na sua terra. Não é surpresa o descalabro que encontrou nas escolas visitadas. Contudo, eram ótimas algumas poucas, da mesma rede e operando com as mesmas regras. Não só tinham bibliotecas e computadores, mas mostravam bom desempenho. Por que seria? Para quem é do ramo, é um segredo de polichinelo: elas tinham um diretor carismático e inspirado. Ou seja, o futuro de centenas de alunos estava nas mãos de uma só pessoa.
Não é assim só na Terra Brasilis, pois ouvi de um vice-ministro dinamarquês que um bom diretor, em dois anos, conserta uma escola atrapalhada. O diferente aqui é que o bom diretor tem de ser um portento. Os desafios são formidáveis. Nesse cargo, ele não contrata, não demite, não premia, não pune e não administra recursos substanciais. Em suma, ele quase não manda. Não há bons sistemas de gestão nem preparação correta para o cargo. Pior, o diretor escolar comanda um exército de “imexíveis” (aliás, só em Cuba é viável se ver livre de maus professores). Na mais reles empresa, o gerente tem armas de gestão bem mais poderosas.
Diante de uma dieta tão magra de poder, como fazem os excelentes diretores para se destacar do resto? É o carisma, é a capacidade de sedução. Se não dá para mandar, é preciso conquistar pelo charme, pelo magnetismo pessoal. Ora, são escassos os que possuem tais atributos de personalidade mais os conhecimentos administrativos para gerir uma escola. Os poucos diretores com tal perfil conseguem excelentes resultados. Ainda assim, com quem não quer nada, a sedução é impotente.
E não é só isso. Como era o estudo de F. Abrucio, grande parte do tempo do diretor vai para cuidar de merenda, disciplina, consertos e conflitos, ou seja, tarefas menores, diante do desafio de melhorar o nível de aprendizado dos alunos. Apesar de ele trabalhar nos fins de semana, quase nada de tempo e energia sobra para dedicar à educação.
Não fossem esses óbices o bastante, o processo de seleção em nada favorece a busca daqueles que têm esse perfil quase impossível. Para a terça parte dos diretores brasileiros, ainda escolhidos no troca-troca da política local, falta apenas redigir o epitáfio da educação, nas escolas em que isso ocorre. Concursos são uma opção honesta, mas pouco inspirada, pois é difícil capturar capacidade de liderança e sedução em provas escritas. A eleição jamais foi adotada em países de educação séria. Entre nós, pode até ser melhor que a escolha política, mas os candidatos fazem acordos e assumem compromissos, perdendo autonomia e isenção durante seu mandato. Quando a política partidária pisa na escola, a seriedade da instituição sai escorraçada. Fórmulas mistas, combinando provas e eleição, têm-se mostrado uma promessa. É preciso tentar novos modelos que, de resto, existem em outros países. Gerentes de loja escolhidos pelos métodos da escola em poucas semanas levariam o negócio à falência, com parcas exceções.
Aliás, como vamos saber por antecipação quem poderia virar um bom diretor? Simplesmente não sabemos. Mas, logo ao entrarmos na escola de um dos bons diretores, percebemos que a atmosfera é diferente. É a plantinha na janela, é o quadro pendurado, é o banheiro limpo, é o tapetinho na entrada da secretaria, é a ausência de grafite e de vidraças partidas, são os horários respeitados. E, naturalmente, é o bom astral de professores e alunos. Um secretário que tivesse uma lâmpada mágica, dessas que só permitem um desejo, tomaria uma decisão sábia se usasse sua cota de milagres para achar um excelente diretor. Nada traria tanto benefício para os alunos. É preciso fornecer ao diretor os instrumentos administrativos, a formação adequada para o cargo e uma maior área de manobra. Bem sabemos, a real autonomia das escolas é um dos fatores mais proximamente associados a bons resultados acadêmicos. Não se trata de deixar o diretor fazer o que lhe der na telha, mas especificar de modo centralizado aonde se quer chegar. Deveria ser uma prioridade nacional desmontar um sistema que, para dar certo, requer virtuosos da sedução e gênios da administração de sistemas desorganizados.