segunda-feira, 6 de setembro de 2010

E os pais, o que andam fazendo por aí?

Fonte: O Estado de S.Paulo - 06/09/2010
Um fenômeno recente tem se repetido com frequência cada vez maior nas Varas de Família, em todo o País: a busca da Justiça pelos pais, como forma de suprir a sua incapacidade de estabelecer limites e fazer os seus filhos cumprirem regras e aceitarem restrições. Espera-se que um magistrado decida em que escola a criança deve estudar, que ambientes deve frequentar, que tipo de música pode ouvir, a que horas deve voltar para casa e até mesmo que roupas pode vestir.
Não têm sido raras as audiências em que alguns pais, inseguros do seu papel, comparecem na companhia dos filhos e delegam ao julgador escolhas cotidianas, numa declarada manifestação de limitação do exercício da sua autoridade. Trata-se de um verdadeiro paradoxo, pois a mesma sociedade que brada por menos Estado espera que o Estado interfira justamente naquelas relações que deveriam ser exclusivamente privadas.
Não é com pesar que se constata a falência da antiga família patriarcal. Lembrada com saudades por alguns, era naquele ambiente que se forjavam as maiores violências e submissões. Também não se pode esquecer que, até a Constituição de 1988, os filhos nascidos fora do casamento não podiam ser reconhecidos, a família era chefiada exclusivamente pelo homem e o diálogo, se existente, era vertical. As companheiras de uma vida inteira não tinham direito a nada e a preservação do matrimônio a qualquer preço coroava a vitória de uma hipocrisia generalizada.
É inegável que o ambiente contemporâneo - com divórcios em série, novos casamentos, uniões homoafetivas, monoparentalidade - alterara radicalmente o conceito dos núcleos familiares. A transformação tem sido profunda e permanente, principalmente porque contextualizada numa época que tem sofrido abalos em todos os seus alicerces de valores e ideias. Se aquela família morreu, vivam as novas famílias!
Atualmente, as famílias são muito mais do que as pessoas que vivem no mesmo ambiente doméstico, ligadas por identidades biológicas e dependentes economicamente. Próximos pela afetividade, os membros destes novos espaços reafirmam sua vocação para multiplicadores de respeito, consideração e lealdade. Nada que lembre os inquestionáveis comandos de outrora ou a opressão daquelas vetustas relações.
O processo de educação, no entanto, encontra-se numa encruzilhada: como educar os filhos, com os limites e as restrições próprios do processo civilizatório, sem o devido exercício da autoridade? Como representar o papel de pai ou mãe sem o ônus de se responsabilizar pelas contrariedades naturais do amadurecimento? Como esclarecer para os adolescentes que a vida não é justa e que, infelizmente, nem tudo acontece como se espera e se programa? Como ser firme sem se revelar um déspota e sem perder a ternura?
Não existe, até onde se sabe, geração espontânea de adolescentes bem-educados. Exceto que alguém ensine desde a infância, os valores éticos, morais e comportamentais não são inatos nem assimiláveis com o simples e natural passar do tempo. Demonstrar que não se vive em grupo sem aprender a ceder, que a busca desenfreada pelo consumo e pelos prazeres individuais é incompatível com a vida em sociedade, que tristezas e as contradições são estados permanentes da condição humana, que a vida é precária e tudo é provisório, essa é a tarefa primordial dos pais. Assim como é sua tarefa ensinar os filhos a transitarem neste mundo em permanente mudança, observando os valores de humanidade, que devem nortear qualquer relação. A dor e o limite fazem parte desse processo de aprendizado.
A tentativa de transferência dessa tarefa, primeiro para a escola, depois para os terapeutas e agora para os juízes não parece o melhor caminho para enfrentar o problema. Esta nova geração, seguramente mais informada, mais tolerante e menos preconceituosa, merece ser cultivada por valores melhores e mais consistentes. O exercício da autoridade não deve ser visto como uma ameaça aos avanços até aqui alcançados no terreno das liberdades e na horizontalidade nas relações.
Quando li o artigo da empresária Vera Ferreira, publicado neste espaço no dia 21 de agosto (Você sabe o que seus filhos andam fazendo?), não pude deixar de reagir com perplexidade. A autora apresenta-se como mãe de um jovem de 15 anos, estudante de um colégio frequentado pela "nata da sociedade carioca", conforme ela mesma aponta. Assombrada com duas experiências ocorridas em sua casa, onde, ultrapassando todos os limites, os amigos de seu filho protagonizaram cenas de vandalismo e falta de educação, em festas ali realizadas, faz transparecer, pelo teor do texto, que esse comportamento é corriqueiro em todo um grupo etário e que seu filho é vítima da dissimulação e do cinismo dos colegas da mesma idade. Ela, então, pergunta se os pais estão sabendo o que filhos andam fazendo, como a indicar que o ignoram.
Para ser eficiente, também a comunicação entre pais e filhos tem de ser clara e não se resume a uma mera troca de palavras. Mais do que ensinados e verbalizados, os valores éticos devem ser transmitidos pelo exemplo. E o fato é que uma parte significativa da elite da sociedade tem vivido, historicamente, sem se submeter a restrições ou se subordinar a limites para viver em grupo. O reflexo de atos cotidianos dessa elite - nos quais prevalecem a certeza da impunidade, o jeitinho, o paga quem pode, o "sabe com quem está falando?" - acaba sendo assimilado pelos jovens como princípios a serem seguidos.
A verdadeira pergunta que se devia fazer, após as cenas de barbárie narradas naquele texto, é diametralmente oposta à que foi feita no artigo da empresária Vera Ferreira: e vocês, sabem o que seus pais andam fazendo por aí?
JUÍZA DE FAMÍLIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, FOI CONSELHEIRA DO CNJ NO BIÊNIO 2007-2009

CTRL C + CTRL V: trabalhos escolares "analíticos" dificultam cópias da internet, dizem docentes

Fonte: 06/09/2010 - Ana Okada - UOL educação - Em São Paulo
Para evitar a cópia de textos da internet -- o chamado "ctrl+c, ctrl+v", ou copiar e colar --, professores do ensino básico procuram pedir trabalhos que exijam a análise do conteúdo, e não apenas os fatos. "Antes, como o que se valorizava era o conhecimento por si só, os trabalhos eram 'cópias'. Hoje, é muito mais importante o aluno saber usar esse conhecimento e abstrair um significado de acordo com seu repertório; há outras cobranças", explica a diretora pedagógica do colégio paulistano Santo Américo, Elenice Lobo.
Elenice conta que, para evitar o plágio, os professores do colégio procuram evitar pedir trabalhos em que se exija apenas dados factuais. "O professor não pode pedir um trabalho que esteja pronto na internet; ele tem que pedir algo que relacione um conteúdo com outro, personalizar a tarefa. Se você exige uma coisa mais profunda, que requeira a análise, a crítica, a reflexão e o estabelecimento de relações, tudo isso dificulta o plágio", diz.
A coordenadora explica que outro procedimento adotado para evitar a cópia é a realização dos trabalhos no colégio, uma vez que as aulas ocorrem em período integral: "Em um ou outro caso eles podem fazer coleta de dados factuais, mas no geral pedimos que, em vez disso, façam anotações, para depois redigir o trabalho", explica.
Coleta de dados
No colégio Santa Maria, também em SP, os trabalhos são definidos como "coleta de dados". Os professores orientam os alunos sobre quais sites utilizar e quais evitar. "Eles dão tratamento aos dados e tem que dar a sua referência, de acordo com as normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas)", explica o coordenador pedagógico do 8º ano, Armando José Capeletto.
Para o coordenador, a cópia -- que antes era feita à mão ou via xerox -- continua. A tarefa da escola, porém, é fazer com que o aluno entenda que os assuntos pedidos em pesquisas serão importantes para o futuro, pois ele "só vai guardar o que achar que é útil". "Não percebemos que o uso da internet muda o aprendizado nem diminui. Na escola os alunos estão aprendendo a lidar com essa informação e o importante é ver o jeito com que eles estão lidando com isso", explica.
Apesar do risco do plágio em trabalhos escolares, Capelleto diz que volume de informações oferecidas na web é positivo para os estudos: "O aluno pode até copiar e colar informações, mas tem que indicar a fonte, e não pode usar uma só, tem que confrontar as informações. Isso é bom porque mostra que não há uma verdade absoluta", diz.
Papel do computador
De acordo com Branca Jurema Ponce, doutora em educação pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), o plágio de conteúdo da web em trabalhos escolares envolve duas grandes questões: o domínio do uso do computador e a clareza do significado da internet e a ética. "A escola tem que estar atenta à formação de valores e o computador tem que ser usado como instrumento de auxílio para a construção do conhecimento; ele não substitui nem o trabalho do aluno nem o do professor", explica.
Branca diz que a questão da propriedade do texto deve ser abordada em sala de aula do ponto de vista ético. "Construir um texto é como construir algo para a vida. O instrumento que revela o pensamento é a linguagem escrita, e ela tem uma autoria. É importantíssimo isso ficar claro para os alunos", diz.
A cópia, segundo a professora, já foi um instrumento pedagógico e, hoje, faz parte da transição da valorização da escrita à mão para a escrita via computador. "É uma revolução comparável à da máquina à vapor, então a gente não consegue avaliar as suas consequências ainda", diz.